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NOSSOS TIGRES BRANCOS - 13.04.21


 por Percival Puggina
 
São raros, raríssimos na reduzida população de tigres, os apreciados tigres-brancos. Li, em algum lugar, que corresponderiam a 1/10000 nascimentos no conjunto da população selvagem.
 
Nos grandes meios de comunicação do Brasil, jornalistas com independência e coragem para nadar contra a corrente são raros como tigres brancos. Não tenho dúvida de que, se não fossem tão escassos, a nação alcançaria maior consenso, se aproximaria da verdade sobre os fatos e encontraria mais facilmente soluções para muitos dos grandes problemas nacionais.
 
No entanto:

  • quando o Congresso legisla para criar novos meandros nos processos penais e afastar ainda mais os criminosos do cumprimento das penas, a grande imprensa noticia e não critica;
  • quando o Congresso cria preceitos que inibem a ação dos  agentes do Estado (policiais, promotores, magistrados), a maior parte do jornalismo brasileiro noticia e não critica;
  • quando o Congresso se omite de votar sobre prisão em segunda instância (indispensável à celeridade dos processos, aos acordos de leniência e ao certeiro combate à impunidade), a grande imprensa cala num silêncio escandaloso;
  • quando senadores, deputados, ou seus partidos, admitem lisamente estarem votando contra propostas do Executivo para conseguir mais “espaço” no governo, a mídia militante silencia sobre a malícia do fato e sobre o prejuízo que ele possa causar ao país. 

Por último, mas não por fim, jamais, nem por acaso ou falta de assunto, nosso jornalismo examina os erros do modelo institucional que é, este sim, a causa original da maior parte de tais condutas, males e malefícios.O jornalista J.R.Guzzo, um desses raríssimos Tigres Brancos, em artigo de 11/04 no Estadão, chama a atenção dos desatentos e omissos, especialmente colegas, sindicalistas, juristas, entidades defensoras de direitos humanos, para o caso do jornalista Oswaldo Eustáquio. Em certo trecho, diz assim:
 
(...) o jornalista Oswaldo Eustáquio, indiciado num inquérito ilegal no STF, está preso há três meses e meio por crime de opinião, acusado de violar a Lei de Segurança Nacional que sobreviveu ao regime militar. Não foi preso em flagrante. Não cometeu nenhum crime descrito na lei como “hediondo” e, portanto, inafiançável. Não tem direito a nenhuma das múltiplas garantias que a lei brasileira oferece a qualquer acusado de infração penal. Não tem acesso completo às informações do seu processo. Não lhe foi dito até agora quais são, exatamente, as acusações que estão sendo feitas contra ele. Não há data para a conclusão do inquérito, e nenhuma obrigação por parte dos carcereiros de responder às perguntas dos seus advogados. Não tem culpa formada. Não foi condenado por nenhum dos 361 artigos do Código Penal. Mas está preso desde o dia 18 de dezembro de 2020, por ordem e desejo do ministro Alexandre Moraes.
 
Valiosos princípios e bens morais precisam estar mortos para justificar tais silêncios, que encobrem, também, muitos disparates praticados e opiniões abusivas de quem não consegue entender os limites à conduta pública de um julgador. Como pretendem, algum dos nossos, ingressar na política sem voto, bater sem levar e se indignar com a própria impopularidade?
 
Os tigres brancos não salvam a mídia brasileira. Mas são um lenitivo à inteligência e uma boa régua para medir aqueles que – em meio a tantos acontecimentos graves, tanto abuso e desrespeito à Constituição por parte do Supremo – se põem a examinar, minuciosamente, cardápios e compra de lagostas.

* Publicado originalmente em Conservadores e Liberais, o site de Puggina.org


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UNIDOS PELO VICIO - 08.04.21


por Percival Puggina.
 
         No livro “Histórias sem data”, Machado de Assis conta que o Diabo, certo dia, resolveu organizar sua atividade e fundar uma igreja. Seus afazeres mereciam ser valorizados por certa pompa, paramentos, novenas, escrituras etc.. Foi ter com o Senhor para notificá-Lo da decisão. Na conversa, o tinhoso dissertou longamente contra as virtudes e a favor dos vícios, atrativos reais com que contava para fazer prosperar sua iniciativa. O ponto alto deu-se quando discorreu sobre as razões da venalidade. Vale a pena transcrever:

“A venalidade, disse o Diabo, era o exercício de um direito superior a todos os direitos. Se tu podes vender tua casa, o teu boi, o teu sapato, teu chapéu, coisas que são tuas por uma razão jurídica e legal, mas que em todo caso estão fora de ti, como é que não podes vender tua opinião, o teu voto, a tua palavra, a tua fé, coisas que são mais do que tuas, porque são tua própria consciência, isto é, tu mesmo? Negá-lo é cair no absurdo e no contraditório. Pois não há mulheres que vendem os cabelos? Não pode, um homem, vender uma parte de seu sangue a um outro homem anêmico? E o sangue e os cabelos, partes físicas, terão um privilégio que se nega ao caráter, à porção moral do homem?”

A conversa segue, abrindo o ventre e eviscerando a miserável falta de escrúpulos com que operam certas instituições nacionais. E não me peçam para dar nomes e sobrenomes aos bois desse cercado porque eu gosto de dormir na minha casa, na minha cama, com minha mulher. Vejam pois, amigos leitores, a impiedosa sina: umas poucas páginas do bom e velho Machado, com quem quis buscar refúgio e proveito estético, me arrastaram de volta ao amado Brasil cuja realidade me traz dor ao peito.

Machado de Assis cortou fundo. Com razão não ficou apenas no dinheiro mal havido, mas quase invadiu o território misterioso das criptomoedas, descortinando as múltiplas moedas da venalidade. “Nem só de pão vive o homem”, disse Moisés e repetiu Jesus. E nem só de dinheiro vive a corrupção.

É assim que eleitores e políticos vendem votos. É assim que muitos deputados trocam convicções morais pelo sorriso afável dos corruptos que se resguardam com leis de autoproteção. E é assim que tantos rasgam compromissos de campanha e se desdobram em agrados ao poder togado do outro lado da praça.

É assim que ministros do STF fazem o mesmo jogo internamente e, para bem servi-lo, rasgam o que escreveram em seus livros, ou desdizem o que tantas vezes repetiram antes, com floreios de saber jurídico e certeza moral. A Constituição é, assim, enviada às urtigas. É assim que se serve a Corte e se desserve a sociedade, prendendo quem ataca a instituição e soltando bandidos socialmente perigosos. É assim que consciências cedem à gratidão e a gratidão se impõe ao dever moral de declarar a própria suspeição.

É assim que a opinião vai ao mercado em busca do melhor preço ou do maior número de cliques. É assim que, para tantos, a fé erguida à condição de sacramento da Ordem, se corrompe e se torna utilidade política, o sermão vira discurso e o discurso torna “a casa dividida contra si mesma”. E servem a dois senhores.

Em seu devaneio criativo, Machado de Assis foi apocalíptico.

*Publicado originalmente em Conservadores e Liberais, o site de Puggina.org.


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UM DIA NA VIDA DE BOLSONARO - 05.04.21


por Percival Puggina
 
         Acalmem suas expectativas. Não vem aqui nenhuma imersão nos bastidores da vida presidencial. Aliás, não há motivo nem possibilidade de que algo assim possa acontecer. Conheci o deputado num evento em Brasília há cerca de 20 anos e não lembro de que tenhamos trocado palavras. Depois disso, falei com o presidente apenas uma vez quando veio a Porto Alegre, em fevereiro de 2016. Houve, na Assembleia Legislativa, um evento em que fui o palestrante convidado. E foi só.

         Estou, portanto, bem longe de Brasília. O título “Um dia na vida de Bolsonaro” reflete o fato de que eu não suportaria 24 horas nas condições enfrentadas por Bolsonaro no exercício da função confiada a ele por 57 milhões de brasileiros, entre os quais eu mesmo. Desde 1889, nenhum presidente teve tais e tantos adversários poderosos agindo contra si de modo simultâneo e com violência que vai da facada real aos punhais virtualmente cravados nas costas e aos franco-atiradores acantonados nos muitos meandros do lulopetismo.

         Mas não é apenas o presidente a vítima cotidiana desses ataques. Em todos os espaços onde, no governo, alguém com ele afinado tenta impor o seu programa, imediatamente afiam-se as facas, armam-se as barricadas e geram-se as crises que acabam por afastar o desditoso de sua posição. Qualquer observador atento pode, inclusive, antecipar a próxima vítima, cujo nome, modestamente, já conheço, mas não vou revelar porque isso pode ser entendido como sugestão. 

         Tenho percebido sempre a mesma estratégia. Criam tumulto em torno de algum fato menor e soltam a conhecida matilha de lobos selvagens. Em seguida, a situação vira crise e começa a fritura do “causador da crise”.  As vítimas ou saem ou caem. E é sempre assim, desde que a esquerda surgiu como esquerda e seus fins “justificam” seus meios. Sempre é dos outros a culpa pelo mal que fazem. Pois é exatamente isso que vem sendo adotado contra o presidente da República e seu governo há mais de dois anos. E ele aguenta firme.

         Após um dia vivendo a vida de Bolsonaro, minhas estribeiras seriam perdidas, minhas analogias seriam substituídas por palavrões com endereço certo. A infinita resiliência de Bolsonaro é meritória e suas explosões de mau humor são plenamente justificáveis.
 

***

         Em relação ao recente episódio envolvendo a “inédita crise” com os militares, convém lembrar que o presidente da República é chefe de governo e é também, por essas incongruências do nosso presidencialismo, chefe de Estado. Como tal, e não como chefe do governo, é o comandante supremo das Forças Armadas. Os fatos ocorridos na área do Ministério da Defesa devem ter servido para mostrar algo que tantas vezes tenho dito: entre os comandos há unidade nas funções militares, mas existem divergências internas em relação à pauta política.

O problema do Brasil é político e é institucional. Tem que ser resolvido diretamente pela sociedade, impondo-se aos seus representantes no Congresso Nacional. De nada vale apontar os males e vícios do STF e deixar livres os congressistas, os únicos que poderiam corrigi-los. Enquanto a nação sofre e sangra, inflaram suas emendas parlamentares para R$ 50 bilhões, um montante que o Estado simplesmente não tem.

* Publicado originalmente em Conservadores e Liberais, o site de Puggina.org, em 31/03/2021


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UM DIA A CASA CAI - 29.03.21


por Percival Puggina
 
Poderosa e voluntariosa corte constitucional. Leniente tribunal penal para réus com privilégio de foro. Topo da infinita escada recursal do Poder Judiciário. Usurpador confesso da inexistente função de poder moderador da República. Assim é a Corte. Com tais mantos se engalanam os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal brasileiro. Pela conduta militante, ele e imprensa também militante são os dois agentes políticos mais ativos do país. Congresso Nacional? Vem bem depois, com seus negócios. Presidência da República? É o mais despojado dos poderes de Estado.

Pelo que tem realizado nos últimos anos, a atual composição do STF é a maior tragédia legada pelo aparelhamento esquerdista do setor público nacional. É um caos silencioso. A parceria solidária da imprensa emudece e canibaliza o espírito crítico com que poderia contribuir, em ambiente de pluralismo e liberdade, para retificar os rumos do país. Sim, houve um tempo em que a imprensa fazia isso. Toda opinião, toda crítica estão focadas, hoje, na pessoa do presidente. Legisle o Congresso em causa própria, dificulte ainda mais o combate à criminalidade, opere em favor da impunidade, faça o STF o absurdo o que fizer, tais escândalos, se mencionados, ganham edição estéril, viram informação placebo. Você pensa que foi informado, mas não foi.

E o cidadão? Ora, o cidadão! Dele se exige ficar em casa sendo doutrinado pelo incansável realejo das TVs. Se alguém arriscar opinião divergente nas redes sociais, ensaiadas injúrias desabam sobre o infeliz, a quem chamam “gado”.

A nação vive um silêncio imposto pelo medo. Medo, sim. Há o medo da covid-19, claro. Mas há, também, o medo da Justiça, que é do “fim do mundo”, mas não é divina. São temores que escravizam.
 

Quem impõe censura, cria seu assustado filhote, a autocensura.


A palavra “gado” define a situação de curral a que estamos submetidos. Fecharam-se as porteiras das alternativas e a farra da Casa Grande nos escraviza enquanto escarnece de nossas opiniões.

É surpreendente que exijam respeito. Não é respeitável o que fazem! Respeitem para serem respeitados. Respeitem os mandatos que lhes foram concedidos, senhores congressistas. Respeitem a vontade expressa nos votos e o resultado das urnas, senhores ministros do STF. Respeitem o pequeno detalhe que ainda chamamos de Constituição.
 

A Lava Jato, que cometeu o crime de levar à condenação nossos Adãos de paraísos fiscais, recebeu atestado de óbito numa sessão virtual da 2ª turma. E viva a gandaia!


O Brasil tem uma história anterior a esse colegiado, dispensa suas lições e, mais ainda, sua visão de mundo. O farol com que os 11 pretendem iluminá-lo ensombrece e entristece o futuro. Naquelas cadeiras sentaram pessoas muito mais sábias, muito mais cultas, muito mais comprometidas com a nação. Eram respeitáveis.

Já a atual composição do STF, desnorteada com sua impopularidade e com a animosidade que suscita, busca se impor pelo medo, como fazem os ditadores. É impossível que os poderes de Estado, em seus escancarados anseios de autoproteção e de proteção recíproca, não percebam o gemido da alma nacional nestes tempos de frustração e temor.

Atentem todos, porém, para o fato de que as circunstâncias podem retardar a resposta da sociedade, que tarda, mas não falha. Senadores e Deputados Federais! Se não pelo país, ao menos por apego aos próprios mandatos, cumpram com seu dever. A situação atual não é sustentável.

Money Pit é uma comédia romântica dos anos 80, com Tom Hanks e Shelley Long. Conta a história de jovem casal que comprou uma casa onde nada funciona. O nome que esse filme recebeu no Brasil vale como advertência: “Um dia a casa cai”.


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UMA ABERRAÇÃO QUE INSISTEM EM CHAMAR DE JUSTIÇA - 26.03.21


por J.R. Guzzo, publicado na Gazeta do Povo

 

 

 O STF levou o Brasil e os brasileiros a viverem neste momento numa atuação de absurdo permanente, em que as leis deixaram de existir como um conjunto de normas estáveis, previsíveis e válidas para todos - e na qual tornou-se impossível, para o cidadão comum, acreditar que exista justiça.

 

Como poderia ser diferente? Os processos penais que tiveram mais sucesso em toda a história nacional, atingiram de verdade a alma da corrupção e mandaram dezenas de ultrapoderosos para a cadeia, inclusive um ex-presidente da República, foram anulados com o único resultado visível de beneficiar Lula – e permitir sua candidatura, de novo, à presidência da República.

 

Pior: a ministra Carmen Lucia, com o mesmo propósito e atendendo a exigências do condenado, anulou o voto que ela própria tinha dado num primeiro momento, este desfavorável a Lula, para vir com um outro, novo em folha e afirmando exatamente o contrário: o culpado de tudo, diz Carmen agora, é o juiz Sergio Moro, que mandou os ladrões para a cadeia. Pelo seu decreto, baixado em acordo com os chefes da facção pró-Lula do STF, Moro é “suspeito”.

 

Ficamos assim, então: quando a justiça brasileira, enfim, consegue punir a corrupção, obter confissões públicas dos ladrões, colocar gente rica na prisão, vem o STF é diz que tudo isso está errado. O culpado é reconhecido como mártir e herói: o magistrado que teve o trabalho e a coragem de enfrentar os bandidos é quem está errado. Como é que algum cidadão racional vai acreditar que uma aberração dessas é “justiça”? Os políticos podem fazer quantos discursos quiserem; os “especialistas” entrevistados pela mídia podem preencher o horário nobre durante um mês inteiro. Nada vai convencer ninguém, salvo quem quer ser convencido, de que o STF tornou-se uma degeneração.

 

A população brasileira está privada da proteção da lei; se ela vale para uns e não vale para outros, ninguém está seguro, a não ser os amigos dos magistrados supremos. É um desastre. A maioria das pessoas, que têm de cuidar da própria vida, é indiferente aos disparates do STF: os que param para pensar um pouco abandonam, cada vez mais, qualquer esperança de viver um dia num regime em que as leis sejam de fato aplicadas. Em qualquer dos casos, não haverá ninguém, nem hoje e nem nunca, para defender um tribunal que abandonou as suas funções e virou um escritório de despachos para atender aos que mandam no país.


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VENENO EM PALAVRAS E IMAGENS - 25.03.21


Por PERCIVAL PUGGINA

 

De repente me veio à lembrança o “Realejo” de Chico Buarque. Diz assim:
 

“Estou vendendo um realejo.
Quem vai levar? Quem vai levar? Quem vai levar?
Já vendi tanta alegra, vendi sonhos a varejo.
Ninguém mais quer hoje em dia acreditar no realejo (...)”.
 

Não dá para acreditar, mesmo, mas o realejo continua rodando a manivela, apesar do descrédito, vendendo sonhos, narrativas, utopias, mentiras e mistificações.

Os tocadores de nossos realejos quotidianos desenvolveram uma semântica astuciosa em que adjetivos como negacionistas, genocidas, fascistas, terraplanistas são usados para significados aquém e além daquele para o que existem e nunca com o intuito de serem entendidos no sentido para o qual foram criados. Delírios de linguística orwelliana. Veneno em poção verbal e visual. O mercado de veneno atrai ilustrados e apedeutas.

Recriou um “antifascismo”, sempre pronto a causar dano a algo que outros fizeram para destruir a divergência que merecem. Contudo, visto de perto, não passa do velho fascismo com estrela vermelha. Como sempre foi, aliás, desde antes do fim da Segunda Guerra Mundial.

Esse realejo que hoje toca no Brasil o dia inteiro tem como público cativo o cidadão do sofá, anatomicamente formado por corpo, membros e sei lá mais o quê. Pode haver certa má vontade minha, mas sempre achei mais fácil acreditar em Terra plana do que acreditar na Globo, por exemplo. Ademais, querer convencer pela repetição, como vem acontecendo no Brasil, desrespeita o público. É assim no adestramento, usado por humanos com animais. E nunca ao contrário. Pelo amor de Deus, nunca ao contrário!

O fato é que se por um lado isso está acontecendo, por outro nunca foi tão fácil saber em que banda toca a sujeito que fala. A linguagem impõe-se sobre as dissimulações e funciona como impressão digital da tendência política.


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