SEMANA SANTA
Como estamos em plena SEMANA SANTA, período -litúrgico da tradição cristã que encerra no domingo de Páscoa, vale lembrar a figura do omisso PÔNCIO PILATOS, juiz e/ou governador romano que -LAVOU AS MÃOS- e, covardemente, não interveio contra os fariseus na condenação de Jesus Cristo a morrer na cruz. Como os -brasileiros de bem- vivem uma sequência de intermináveis DIAS, SEMANAS, MESES E ANOS -NADA SANTOS-, mas carregados de MUITA TIRANIA E INJUSTIÇA, sugiro a leitura do ótimo texto do pensador Alex Pipkin -O JULGAMENTO DE PÔNCIO PILATOS -VERSÃO BRASILEIRA-. Eis:
O JULGAMENTO DE PÔNCIO PILATOS - VERSÃO BRASILEIRA
Era uma vez, num reino tropical abençoado por Deus e amaldiçoado por seus intérpretes, um espetáculo digno dos grandes teatros da antiguidade. Imagine a Roma imperial, mas com togas pretas em vez de brancas, com deuses sem moral e com senadores que não representavam ninguém além de seus próprios espelhos. Num cenário digno de Dante Alighieri, que certamente colocaria Brasília em algum círculo extra do inferno, vivia-se um fenômeno extraordinário: a absolvição retroativa. Uma prática sofisticada, onde crimes julgados com provas, confissões, delações, planilhas, malas e até PowerPoint, simplesmente evaporavam, como num passe de mágica, diante da reverência de seus supostos julgadores.
A peça começou com um julgamento solene, onde um certo líder carismático - conhecido por sua verborragia sem “s”, seu desprezo por livros - fora condenado por corrupção em diversas instâncias da justiça brasileira. Juízes, jornalistas, promotores e até papagaios sabiam, ele era culpado. O país inteiro sabia. Mas aí, como num ato final inesperado, o roteiro foi reescrito por aqueles que se achavam autores da realidade.
MANTO DA AMNÉSIA
Gilmar, Barroso, Cármen e outros personagens dessa farsa pós-moderna, que antes entoavam loas à moralidade e condenavam o réu com ar grave e jurídico, agora surgiam no palco trajando a toga como manto da amnésia. Gilmar, por exemplo, que já foi contra o habeas corpus do ex-presidente e votou com firmeza pela prisão após segunda instância, agora proclama que “devemos ao Lula um julgamento justo” - como se ele próprio tivesse acabado de desembarcar de Marte, sem qualquer relação com o processo anterior. Barroso, que em 2018 dizia com firmeza que revogar a prisão após segunda instância seria um retrocesso no combate à corrupção, hoje afirma com pesar que “decisões do Supremo atrapalharam o enfrentamento à corrupção”, omitindo delicadamente que ele próprio era parte ativa daquelas decisões. Já Cármen Lúcia, outrora defensora da execução da pena após condenação em segunda instância, voto proferido em tom épico e constitucional, hoje, silenciosa e submissa ao novo roteiro, apenas acompanha os novos ventos como uma atriz veterana cansada da própria peça.
“Nunca dissemos isso”, bradam agora, como se gravações, votos, declarações públicas e sentenças arquivadas em três instâncias fossem apenas alucinações coletivas. É como se o país tivesse sonhado durante anos um pesadelo que, de repente, passou a ser negado pelos próprios protagonistas da tragédia.
SUPREMO TEATRO FEDERAL
E é aí que o teatro atinge seu ponto mais grotesco: a encenação tornou-se tão caricata, tão risivelmente absurda, que até os brasileiros mais incautos, aqueles que normalmente não ligam para política, que mal lembram o nome de um ministro “superstar” passaram a perceber a farsa. Porque não se trata de um sutil jogo de retórica jurídica, mas de um giro de 90 graus na direção oposta ao que os próprios ministros afirmaram no passado, com todas as letras. É um teatro mal ensaiado, de quinta categoria, onde os atores negam as falas anteriores no mesmo palco onde foram aplaudidos. E há registros, há gravações, há as atas do espetáculo anterior. O teatro tem arquivos, por mais que os atores finjam que nunca subiram ao palco.
Era como se Pôncio Pilatos tivesse voltado à vida, não para lavar as mãos, mas para dizer que nunca viu Jesus. “Quem? Aquele galileu? Nunca ouvi falar”. Todos os escribas da corte, antes zelosos pela lei, agora escreviam novas tábuas com lápis de cera colorido, ignorando a pedra onde antes entalharam a Justiça. Enquanto isso, o povo assiste atônito, dividido entre o riso nervoso e a incredulidade. Alguns ainda se perguntam se estão acordados. Outros, mais calejados, já aprenderam que a realidade é apenas um acordo momentâneo entre os fatos e quem manda na burlesca narrativa.
Assim, o Brasil segue sendo o país onde o passado pode ser apagado por decreto, onde os juízes se tornam roteiristas, e onde o crime não compensa… exceto quando é reinterpretado pelo Supremo Teatro Federal.
E o pior de tudo é que, no Brasil, o público não pode vaiar. Porque os atores, além de escreverem o roteiro e interpretarem a farsa, também controlam a bilheteria, o som, a luz, o Código Penal e a Constituição. Nesse espetáculo, a única saída de emergência é o pensamento livre, embora este também já esteja sob censura.
Grotesco.