Por Percival Puggina
Sublinho aqui dois dos vários tipos de pessoas que estão, sempre, querendo nos enganar. O contingente mais numeroso é o dos estelionatários que, por mil artimanhas, procuram iludir pessoas ingênuas com o intuito de estender a mão grande sobre seus bens materiais. Esses proliferaram no ritmo em que evoluíram os meios tecnológicos de comunicação, aumentando a vulnerabilidade de seus usuários. Menos numeroso, mas ainda mais nocivo, é o grupo dos indivíduos intelectualmente desonestos, que se julga capaz de convencer os demais que o erro é um acerto, que o mal é um bem e que a verdade se expressa através de uma mentira. Você pode imaginar que esta pessoa não lhe está tomando valor algum, mas é exatamente isso que ela está fazendo ao afetar o apreço da sociedade a tudo que realmente tem valor e não é corroído pela ferrugem do tempo.
Apontar em alguém a desonestidade intelectual pressupõe identificar nele a existência de um intelecto usado sem senso moral, para fazer valer suas ideias e consolidar seu poder sobre todos a partir de suas vítimas diretas.
Os espaços de poder são objetivos constantes dessa guerra suja empreendida por indivíduos intelectualmente desonestos. É assustador observá-los e verificar o êxito de sua retórica ambivalente e dos malabarismos que usam para convencer os outros.
Assim como falsários e arrombadores de antigamente tinham à disposição um conjunto de instrumentos de trabalho, os estelionatários de hoje têm sua maleta de truques para iludir os ingênuos que encontram. O intelectual desonesto, por sua vez, se vale das habilidades proporcionadas pelo conhecimento.
Essas pessoas são a versão moderna dos sofistas gregos cujo objetivo era argumentar de modo exitoso durante um contraditório, sem qualquer preocupação com a verdade conhecida. Górgias foi o principal e mais bem sucedido desses mestres. Niilista e relativista, era reverenciado pelo domínio da oratória e dos truques de uma retórica despida de princípios morais.
Para ele, “A arte da persuasão ultrapassa todas as outras, e é de muito a melhor, pois ela faz de todas as coisas suas escravas por submissão espontânea e não por violência”. Seus alunos deram-se muito bem nos espaços de poder de seu tempo, remuneravam-no de modo abundante a ponto de ele poder encomendar – segundo se diz – uma estátua de ouro de si mesmo.
Seus discípulos estão entre nós e talvez nem saibam que o são pois absorveram de outras fontes as qualidades e os vícios que o caracterizavam.
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Por Percival Puggina
Mas é infâmia de mais!... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares.
Castro Alves, Navio Negreiro
As perguntas que farei perturbam meu sono e são comuns ao cotidiano de milhões de cidadãos brasileiros. Como não ser assim, se a nação se dilacera e degenera, o sectarismo se empodera, a burrice impera, o crime prospera, a política se adultera, a Têmis se torna megera e os omissos somem ou dormem? Só eu acordo nas madrugadas pensando nesses motivos pelos quais 41% dos brasileiros (1), entre os quais 55% dos nossos jovens (2), só não desistem do Brasil por não terem condições financeiras de arrancar as folhas de um passado sem esperança e redigir seu futuro noutro lugar?
Os responsáveis por isso conseguem dormir? A nação se inquieta pela apatia de representantes omissos que tanto lhe custam. Como é insignificante, aliás, a relação custo/benefício, somados o mal que fazem e o bem que deixam de fazer! Como conciliam o sono e a culpa? A que destroços, a cupidez e a conveniência pessoal em condomínio com a injustiça reduziram tais almas? Elas simplesmente somem dos plenários quando, da tribuna, algum de seus pares lhes cobra pela apatia e a destruição das instituições!
No entanto, a realidade que vemos é sinistra. O Estado se agiganta perante a sociedade a que deveria servir. A juventude recebe uma educação de qualidade vexatória, últimos lugares nos rankings internacionais do PISA e da OCDE; a cultura nacional está degradada e o próprio QI dos brasileiros, por falta de estímulos, pode estar em regressão. Há décadas, os discípulos de Paulo Freire controlam e tornam cada vez mais sectária a educação nacional, transformando-a numa fábrica de ignorantes miseráveis, com as bênçãos do Estado. Quem escapa dessa máquina de moer cérebros prospera e vira réu no tribunal da desigualdade!
Resultado: chegamos a setenta e cinco milhões de seres humanos dependendo da assistência social do Estado. Do Estado? Sim, sim, o ente causador de todo esse mal aceita sem qualquer constrangimento posar de benfeitor. A pergunta que poucos fazem é: “Se o culpado não for o Estado, quem haveria de ser?”. Certamente a culpa não pode ser imputada a quem decide investir, correr riscos, gerar empregos, pagar salários e ser extorquido com impostos, taxas, contribuições. Essa pergunta derruba século e meio de mentiras sobre os sucessos do socialismo.
Eu quero o meu país de volta! Eu o vi antes, imperfeito, mas humano. Não era uma Suíça, mas era um país amável. O Brasil tinha boa reputação. Hoje é um país de má fama. Eu o quero moderno, mas com aqueles bens do espírito e naquele ânimo nacional que se comoveu e se moveu solidário quando as águas cobriram o abismo no Rio Grande do Sul. Eu quero de volta a energia inusitada que, durante oito anos, saudoso do “meu Brasil brasileiro, mulato inzoneiro”, me levou para cima dos carros de som a verberar corruptos, defender a liberdade e resistir à perdição de uma nação.
Impossível não evocar os versos finais de Navio Negreiro, esbravejados por Castro Alves, se vejo avançar o poder da Casa Grande, a se refestelar em folguedos e extravagâncias, enquanto garroteia direitos de cidadãos outrora livres.
(1)
https://www.cnnbrasil.com.br/politica/polarizacao-politica-41-dos-brasileiros-mudariam-de-pais-se-pudessem-diz-quaest/
(2)
https://g1.globo.com/economia/midia-e-marketing/noticia/2022/08/17/55percent-dos-jovens-brasileiros-deixariam-o-pais-se-pudessem-diz-pesquisa.ghtml