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DEMOCRACIA DE APARÊNCIA, TIRANIA DE FATO - 17.04.25


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Por Dagoberto Lima Godoy

 

Chega a ser bizarro como, no Brasil de hoje, a palavra democracia é repetida qual um mantra — como se a mera repetição bastasse para garantir sua existência. Mas será preciso cegueira  ideológica ou cumplicidade interesseira para não  enxergar como a democracia está sendo esvaziada por dentro, substituída, pouco a pouco, por um sistema de controle cada vez mais rígido, embora travestido de legalidade. 

A tirania moderna não se instala com tanques nas ruas, mas com narrativas oficiais,  decisões extravagantes de altas cortes  e uma justiça que escolhe a quem punir e a quem proteger. Mantêm-se as eleições, os partidos, os rituais — mas faltam meios eficazes de conferência dos votos. Quem não se curva à narrativa dominante é calado, desmonetizado, preso ou deslegitimado publicamente. Tudo isso em nome da “defesa da democracia”, como se esta fosse um valor absoluto, mas válido apenas para quem adere ou se rende à facção dominante.. 

O que esperar de um Congresso que se omite ou cujos parlamentares se deixam cooptar em troca  de cargos e emendas discricionárias,  tornando-se cúmplices do governo, por mais incompetente e ardiloso que ele seja? Ou de um  Senado  que aceita passivamente a supremacia de um STF que não se limita ao papel de intérprete da Constituição, mas acumula funções do Legislativo, da Polícia e da Promotoria. Um tribunal que decide, sem debate ou contraditório, o que pode ou não ser criticado ou tão somente dito? Uma Corte que se desmanda em Investigações sem crime definido, inquéritos sem fim, censura prévia de postagens e bloqueios de redes sociais — medidas típicas de regimes autoritários, aplicadas com o selo do “Estado Democrático de Direito”? 

Enquanto isso, a mídia tradicional se comporta como sócia do poder — seja por alinhamento ideológico, seja por dependência financeira. Os veículos cooptados ecoam as versões oficiais, atacam vozes dissidentes e ajudam a moldar uma realidade onde a verdade foi abolida, substituída pela narrativa (conforme a receita prescrita ao Foro de São Paulo, lembram?) 

A todas essas, uma parte da população ainda acredita que tudo está normal — afinal, as urnas funcionam, há debates na TV e campanhas nas ruas —, enquanto outra parte percebe o avanço do autoritarismo, mas tem medo de reagir. Afinal, quem ousa levantar a voz contra o sistema corre o risco de ser rotulado como “facista”, “golpista” ou promotor de “fake news”.   

Impossível ocultar o fato de que está em curso não um golpe no sentido clássico, mas um processo contínuo de desfiguração da democracia, imposto  em nome dela própria. É a substituição do Estado Democrático por um Estado de Exceção com aparência legal. É a institucionalização do arbítrio por meios técnicos, burocráticos e sofisticados. 

Mas a história ensina: nenhuma tirania é eterna. Ela se sustenta enquanto a mentira for eficaz e o medo, dominante. Quando a verdade rompe o cerco e a coragem supera o receio, o jogo começa a virar. A resistência, neste cenário, não exige armas — exige coragem,  firmeza de valores e disposição para não se anular como cidadão. 

Como escreveu o poeta Yevtushenko:  

Quando a verdade é substituída pelo silêncio, o silêncio se torna mentira” 

E o Brasil, mais do que nunca, precisa de vozes que recusem a mentira e afirmem, sem medo, a liberdade, a justiça e a verdade.