Por Dagoberto Lima Godoy
René Descartes revolucionou o pensamento ocidental com a frase “Penso, logo existo”. Não sei se o genial pensador (nas meditações que costumava fazer deitado em sua cama) terá se perguntado: “E existo, para quê?” .
Inúmeros pensadores -- religiosos, místicos ou laicos -- identificam o sentido da vida humana com a busca do bem (seja este circunscrito à vida terrena, seja projetado numa dimensão transcendental), mediante o aperfeiçoamento intelectual ou espiritual. Para a maioria das pessoas, entretanto, o objetivo de suas vidas é ser feliz, embora seja enorme a dispersão de opiniões quanto ao conceito de felicidade. Em geral, só nas situações de total desespero ou acentuado cinismo é que se vê uma pessoa negar sentido à sua existência (ou à do universo).
De qualquer forma, o que parece inerente à natureza humana é a ambição de alcançar algo que faça valer a pena viver. Então, sou levado a refletir sobre a ambição como impulso natural do homem e como ela pode determinar a qualidade de nossas vidas. O vocábulo “ambição” pode ter um sentido amplo e positivo, em linha com uma das definições registradas pelo Aurélio: “desejo ardente de alcançar um objetivo de ordem superior”. Mas, também pode ter o outro significado sugerido pelo mesmo dicionário: “desejo veemente de alcançar aquilo que valoriza os bens materiais ou o amor-próprio (poder, glória, riqueza, posição social, etc.)”.
Os dois significados indicam como a ambição pode direcionar o sujeito aos mais altos píncaros da realização intelectual (Einstein, como exemplo) ou espiritual (Jesus Cristo ou Buda, como emblemas), ou, no sentido oposto, conduzir a pessoa a uma existência medíocre (no mínimo) ou ao fracasso (na pior hipótese).
Analiso o grau a que pode ser levada a ambição pessoal e concluo que tanto a moderação quanto o excesso levam a resultados opostos, em função da escolha dentre os focos referidos. Cobiça é a ambição desvirtuada em desejo por alvos ilícitos (a mulher do próximo, da Bíblia) ou valores fátuos (fama, glória, luxo); e ganância é a cobiça desmesurada. Não aceito limites para a ambição que é direcionada para o bem, assim como vejo a proximidade contagiosa da cobiça e da ganância com outros sentimentos vis, como inveja e avareza.
Assim, é o mesmo grau máximo de ambição que tanto pode levar à realização plena aqueles que miram o saber ou a virtude, quanto frustrar e até desgraçar os gananciosos de riqueza e poder. Para estes, não faltam advertências e condenações: religiões as mais diversas proscrevem os vícios que decorrem de tais opções equivocadas; e o mesmo fazem até materialistas (como Karl Marx, que abominou a ganância e a cobiça, embora entendendo que não constituíssem uma característica da natureza humana e sim decorrências do sistema capitalista). Do lado oposto, o exagero na moderação dos desejos pode mascarar a indolência e a falta de apetite pela vida.
Para mim está bem clara a razão de existir do ser humano, o que quer dizer, o sentido que cada um deve perceber e perseguir na própria vida. Viver sem noção de um sentido é desperdiçar a própria vida, como disse o filósofo Kierkegaard:
“A única vida desperdiçada é a de quem viveu de tal modo iludido pelos prazeres e contratempos da vida que nunca se tornou decisivamente, eternamente, consciente de si mesmo como espírito ou indivíduo.”
Por Percival Puggina
Mas é infâmia de mais!... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares.
Castro Alves, Navio Negreiro
As perguntas que farei perturbam meu sono e são comuns ao cotidiano de milhões de cidadãos brasileiros. Como não ser assim, se a nação se dilacera e degenera, o sectarismo se empodera, a burrice impera, o crime prospera, a política se adultera, a Têmis se torna megera e os omissos somem ou dormem? Só eu acordo nas madrugadas pensando nesses motivos pelos quais 41% dos brasileiros (1), entre os quais 55% dos nossos jovens (2), só não desistem do Brasil por não terem condições financeiras de arrancar as folhas de um passado sem esperança e redigir seu futuro noutro lugar?
Os responsáveis por isso conseguem dormir? A nação se inquieta pela apatia de representantes omissos que tanto lhe custam. Como é insignificante, aliás, a relação custo/benefício, somados o mal que fazem e o bem que deixam de fazer! Como conciliam o sono e a culpa? A que destroços, a cupidez e a conveniência pessoal em condomínio com a injustiça reduziram tais almas? Elas simplesmente somem dos plenários quando, da tribuna, algum de seus pares lhes cobra pela apatia e a destruição das instituições!
No entanto, a realidade que vemos é sinistra. O Estado se agiganta perante a sociedade a que deveria servir. A juventude recebe uma educação de qualidade vexatória, últimos lugares nos rankings internacionais do PISA e da OCDE; a cultura nacional está degradada e o próprio QI dos brasileiros, por falta de estímulos, pode estar em regressão. Há décadas, os discípulos de Paulo Freire controlam e tornam cada vez mais sectária a educação nacional, transformando-a numa fábrica de ignorantes miseráveis, com as bênçãos do Estado. Quem escapa dessa máquina de moer cérebros prospera e vira réu no tribunal da desigualdade!
Resultado: chegamos a setenta e cinco milhões de seres humanos dependendo da assistência social do Estado. Do Estado? Sim, sim, o ente causador de todo esse mal aceita sem qualquer constrangimento posar de benfeitor. A pergunta que poucos fazem é: “Se o culpado não for o Estado, quem haveria de ser?”. Certamente a culpa não pode ser imputada a quem decide investir, correr riscos, gerar empregos, pagar salários e ser extorquido com impostos, taxas, contribuições. Essa pergunta derruba século e meio de mentiras sobre os sucessos do socialismo.
Eu quero o meu país de volta! Eu o vi antes, imperfeito, mas humano. Não era uma Suíça, mas era um país amável. O Brasil tinha boa reputação. Hoje é um país de má fama. Eu o quero moderno, mas com aqueles bens do espírito e naquele ânimo nacional que se comoveu e se moveu solidário quando as águas cobriram o abismo no Rio Grande do Sul. Eu quero de volta a energia inusitada que, durante oito anos, saudoso do “meu Brasil brasileiro, mulato inzoneiro”, me levou para cima dos carros de som a verberar corruptos, defender a liberdade e resistir à perdição de uma nação.
Impossível não evocar os versos finais de Navio Negreiro, esbravejados por Castro Alves, se vejo avançar o poder da Casa Grande, a se refestelar em folguedos e extravagâncias, enquanto garroteia direitos de cidadãos outrora livres.
(1)
https://www.cnnbrasil.com.br/politica/polarizacao-politica-41-dos-brasileiros-mudariam-de-pais-se-pudessem-diz-quaest/
(2)
https://g1.globo.com/economia/midia-e-marketing/noticia/2022/08/17/55percent-dos-jovens-brasileiros-deixariam-o-pais-se-pudessem-diz-pesquisa.ghtml