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VAI UM MINISTÉRIO AÍ? - 06.06.23


Por Percival Puggina

 

Quando o Brasil começou a tomar jeito, em 2016, o número de ministérios foi reduzido e o acesso de militantes políticos e dirigentes partidários à cargos de direção das empresas estatais ficou sujeito a rigorosíssimas exigências. Foram seis anos razoavelmente bons. Apesar da mais assanhada vigilância política, jornalística, policial e judiciária a que eu já assisti, não houve casos notórios de corrupção e o Estado perdeu um pouco de seu tamanho.

Lula conseguiu engatar marcha ré na história e aumentou para 37 o número de ministérios. Os partidos, presumo, serão convidados para um jantar cujo cardápio contará com novas porções do Estado brasileiro. Entre aplausos e brindes, os articuladores políticos e o presidente em pessoa, circularão pelo salão, com bandeja na mão e toalha de seda branca sobre o braço direito, oferecendo, entre outras iguarias, ministérios, diretorias-gerais, fundações e presidências de conselhos.

Em alguns casos, esses ministérios são meras quinquilharias para animar vaidades e proporcionar luxinhos, como diria aquela procuradora que se queixa do salariozinho. Noutros não, com recursos tirados de nosso bolso, os pratos são temperados com orçamentos robustos.

Está bem claro que a ideia do governo não é cuidar dos pobres. Se assim fosse, ele diminuiria o gasto do Estado consigo mesmo. É o que faz qualquer chefe de família, homem ou mulher, cujos dependentes apresentem necessidades que excedam sua capacidade de atender. Essa pessoa cortará supérfluos e diminuirá sua ração para responder às demandas dos seus no limite máximo das possibilidades.

Pois o petismo faz o contrário, eleva seu supérfluo! Trinta e sete ministérios é a ressonância magnética do supérfluo. Mostra tudo, no detalhe.

Se é ruim nessa perspectiva, pior fica quando se compreende que todo esse banquete pantagruélico que canibaliza os recursos nacionais foi concebido em comum acordo com os congressistas e seus partidos.  

Alguém que queira passar pano nessa perniciosa realidade talvez diga que governar é uma tarefa partidária. Com efeito, governo tem partido (o Estado é que não deveria ter, mas no Brasil acaba tendo também, por vieses ideológicos, até na alma do Judiciário).

Na minha observação, durante décadas, os governos se formavam com partidos cujas bancadas apoiavam o governo. O mensalão corrompeu esse sistema, o petrolão potencializou seus males e os recursos das emendas parlamentares desmoralizaram de vez o regime.

Hoje, mesmo com partido e cargos, todo parlamentar pode agir como corretor de seu voto, em cada deliberação importante. Lamento informá-los que esse tipo de congressista compõe, também nesta legislatura, o grupo majoritário.
Quem não entendeu isso que fique em casa quando houver manifestação e se conduza como se não houvesse amanhã.


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COMO LIDAR COM O SENTIMENTO DE QUE O BRASIL ESTÁ RUINDO? - 01.06.23


Por Paulo Polzonoff Jr – Gazeta do Povo-

 

Nos últimos meses, têm sido raros os dias em que não recebo mensagem de alguém se dizendo desesperado com o país. Tem gente perdendo o sono, o apetite, a saúde e até a fé por causa de Lula. Digo, não é exatamente por causa de Lula, e sim por causa daquilo que Lula representa. É como se o Brasil, isto é, a ideia de nação e de vida harmônica em sociedade, estivesse ruindo. E não está?

 

É mesmo difícil evitar o decadentismo. Basta olhar em volta. Eu, que moro perto de um lugar que oferece café da manhã aos mendigos, percebo que o número de frequentadores aumentou. A cidade parece mais suja e com mais lojas fechadas. Nas lojas que estão abertas, os vendedores parecem à toa. Paira no ar aquele pessimismo que antecede tempos muito difíceis.

 

Mas a decadência não se abate apenas sobre o lado material. Entre os intelectualizados, a perda da liberdade já é dada como certa. E mesmo aqueles que fazem humor nas mesas dos bares já contam piadas as mais amenas possíveis, com medo de chamar a atenção de um membro do Ministério Público que possa estar na mesa ao lado, ouvindo. Outro dia, na Missa, até o padre trocou de palavra no meio da frase. São tempos de precaução.

 

A tristeza (ou, nos casos mais graves, a depressão) nasce da exposição constante a um noticiário que só reforça a impressão de decadência, quando não de catástrofe. Uma impressão que sempre vem acompanhada da sensação de impotência. Afinal, tirando um ou outro psicopata, temos consciência de nossa pequenez. Das nossas limitações. E até da nossa vulnerabilidade diante disso tudo que tá aí. E isso nos revolta, quando não deprime.

 

Não se deprima!

Respondendo à pergunta que serve como título deste texto, a filósofa Natália Sulman usou um aforismo simples que serve bem ao propósito deste texto: a alma é maior do que a Pátria. E aqui é aquele momento em que sempre surge alguém para dizer que na Venezuela dos anos 1990 provavelmente também havia alguém dizendo que a alma era maior do que a Pátria – e veja só no que deu.

 

Ainda assim, a alma é maior do que a Pátria. Até porque Pátria, nação, Brasil, sociedade e democracia são conceitos criados, de certa forma, para satisfazer a alma. E nunca vice-versa. Tampouco o Estado tem esse poder todo sobre a alma. Ou não deveria ter. Para isso é que serve a virtude da fortaleza. Comentei que recentemente li uma daquelas narrativas autobiográficas que se passam durante o Holocausto. Pois bem. Até ali, em Auschwitz, a alma se sobrepunha à eficiência assassina dos nazistas.

 

Mas alma, aqui, tem que ser compreendida de uma forma mais transcendente. E nem sei se há outra forma. Alma é aquilo que, mesmo passando fome (e estamos bem longe disso, né?), mesmo presa, mesmo traída, mesmo torturada e mesmo morta pelo Estado, se mantém intacta. Tá, talvez intacta seja um pouco demais. Só os santos são fundidos nesse ferro. Mas você entendeu, né? A alma não se abala ou não deveria se deixar abalar por decisões de Alexandre de Moraes, por estultices de Flávio Dino, por gastos milionários no cartão corporativo da Presidência, por churrascos na laje presidencial ou pela paixão indecorosa de Lula por Maduro.

 

Alma, acrescento eu, que não sou filósofo nem nada, mas estou aqui batendo um papo com você que está aí todo tristão, é aquilo que consegue enxergar a realidade pequena. O cotidiano das caóticas (e deliciosas) relações familiares e de amizade. As escolhas que não dependem de aval do Congresso ou do STF. Muito menos do Lula! Alma – vou além porque agora me empolguei– é aquilo que se submete à vontade de Deus e que ri dessa nossa sensação de impotência. Alma é aquilo que passa raiva diante do telejornal num instante e no outro ri de uma trapalhada qualquer do gato. Alma é aquilo que agradece. Alma.


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O fique em casa era um treino para o cala-boca - 29.05.23


Por Percival Puggina       

 

Para o lulismo, divergir da retórica petista é promover discurso de ódio. Algo inaceitável pelos devotos daquela alma cândida e serena, que anda pelo mundo com espírito de peregrino.

 

Quando Lula seguiu para a prisão com os veículos da Polícia Federal, imaginei que estivéssemos atingindo o ápice de um evento cósmico. No entanto, o sol não se fez escuro, a terra não tremeu e o véu do templo permaneceu incólume.

 

Presenciávamos o fracasso dos falsos profetas e a perda de forças dos tutores da História. Não haveria como reescrever – não para esta geração – o que todos contempláramos. Não haveria como desgravar, desfilmar, desdizer, e não seria possível desmaterializar os fatos.

Só que não. A estratégia posta em curso se revelou de uma eficiência que -devo confessar – gostaria de conhecer o autor ou autores. Uma competência dessas, se difundida e aplicada a serviço do bem, seria preciosa para a humanidade.

 

Em três anos, a esquerda havia retomado o comando da narrativa. De modo disciplinado, os veículos do consórcio de mídia desdisseram o que haviam dito, deram um cavalo de pau e se reencontram agora, na estrada, com a poeira que haviam levantado.

O vírus corona funcionou, na operação, como detonador de um processo de transformação psicossocial. Ao medo causado por ele, ampliado pelo intensíssimo trabalho da mídia, inclusive das plataformas das redes sociais, somaram-se a supressão de garantias e as restrições à liberdade impostas pelo STF.

 

Na ocasião, surgiram advertências, mal-ouvidas e mal-recebidas, segundo as quais aquilo era um treinamento para o que viria depois. Após dois anos com a Covid servida aos telespectadores brasileiros em proporções cavalares, parcela inimaginável da população estava pronta para suportar doses crescentes de submissão. Prontos, inclusive, para dizer que os fatos não são como os veem, mas como é dito que os fatos são. Acidentalmente, vídeos são inutilizados e gravações perfuradas. As mais altas cortes da República recontam a história da Lava Jato e a campanha eleitoral de 2022 transcorreu num contexto histórico simulado, fictício, em que um dos candidatos simplesmente não tinha passado. Assistimos à desmaterialização dos acontecimentos.

 

Com frequência me lembro de um ministro do STF/TSE – aquele de prazos curtos e multas pesadas – usando a expressão “Na hora que prender dois ou três eles param rapidinho” (alguém lhe falara de suposta pressão de patrões sobre empregados para votarem em Bolsonaro). O mesmo ministro não conseguiu ocultar o ar de felicidade quando foi alertado por alguém que nos Estados Unidos a invasão do Capitólio já dera causa a mais de duas mil prisões. Afirmou ele, então, três semanas antes do dia 8 de janeiro: “Tem muita gente para prender e muita multa para aplicar”.

Em resumo: nem fechando os olhos deixo de ver que há um caminho sendo percorrido, em detrimento da nossa liberdade de expressão, que já é mencionada como “coisa de um tempo que acabou no Brasil”.


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DINHEIRO NA MÃO DO ESTADO É VENDAVAL - 25.05.23


Por Percival Puggina

         

São facilmente percebidas as semelhanças entre os governos e administrações petistas no Brasil ao longo dos anos. Algumas dizem respeito a aspectos variados da vida social, como por exemplo: atitude hostil ao combate à criminalidade, desarmamento da população civil, ampliação por tortuosas vias administrativas das hipóteses de aborto, ideologia de gênero, pautas identitárias, aparelhamento das empresas estatais e da administração, leniência com as invasões de propriedade privadas, integração com países socialistas, comunistas e ditaduras.

Na área econômica, as semelhanças também são igualmente lesivas. Incluem políticas contrárias a privatizações, aumento do efetivo do funcionalismo e dos cargos políticos, claro. Tudo gerando aumento da carga tributária. Isso na ponta da demanda. Na ponta da entrega, falam bem as experiências no governo da União e nos estados da Federação que se entregaram ao petismo e às esquerdas.

Ou seja, características nitidamente estatistas. O PT ainda parece acreditar, e tenta fazer crer que o Estado cuida de outra coisa que não de si mesmo.

Para conversar com os parlamentares e convencer a sociedade de que pagar mais imposto é bom e faz bem, o PT e os governos de esquerda esgotam as artimanhas retóricas. A mais comum é aquela bobagem descomunal de que para o bem dos pobres o PT fará os ricos pagarem mais imposto, ou que com a nova regra “quem ganha mais paga mais e quem ganha menos paga menos”, nunca esclarecendo que esse “paga menos” é, na verdade, “paga menos a mais”.

O governo Olívio Dutra, aqui no Rio Grande do Sul, fez enorme propaganda em torno de uma “Nova Matriz Tributária”. Lembrei-me dela tão logo Lula e Haddad começaram a falar em Arcabouço Fiscal, um nome que se presta para muitas elucubrações. Em síntese, é a mesma coisa, uma forma de diminuir o dinheiro da sociedade e aumentar o do Estado.

Se há experiência resistindo bravamente ao tempo e às investidas dos mais intrépidos economistas da esquerda é a de que dinheiro na mão do Estado é vendaval. O que sai das mãos da sociedade para o governo reduz o consumo e reduz a produção. É uma opção clara pela pobreza, sem os merecimentos e virtudes de São Francisco de Assis e tantos outros. Ao contrário, a gente conhece a trajetória nada dignificante desse dinheiro.

O Congresso Nacional aprovou a investida contra os recursos da sociedade. Se pobreza e o baixo desenvolvimento humano têm uma receita certa, ela passa pelo enriquecimento do Estado à custa da nação; se há fórmula para criar uma sociedade de submissos, ela passa pelo aumento do poder do Estado. Entre as muitas maneiras de isso acontecer, além das que já estão postas em prática no Brasil, inclui-se o aumento da carga tributária, independentemente de para onde se diga que vai seguir o “novo” dinheiro “do Estado”.


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ENTREVISTA COM ELON MUSK - 23.05.23


O pensador Leandro Ruschel separou o seguinte trecho de uma entrevista do @elonmusk para a CNBC, que talvez seja o definidor do tempo em que vivemos.

   

    - O militante de redação pergunta a Musk por que ele emite opiniões polêmicas, já que elas podem prejudicar os seus negócios.

   

    O exemplo mencionado foi um tweet de Musk sobre George Soros, tratando CORRETAMENTE o globalista como "inimigo da humanidade", que busca "destruir o tecido da civilização", comparando-o ao vilão Magneto.

   

    "As pessoas que compram Tesla podem não concordar com você", afirmou o entrevistador. "Anunciantes do Twitter podem não concordar".

   

    "Por que não dizer isso apenas em conversas privadas?"

   

    O homem mais rico do mundo então lembra é uma questão de liberdade de expressão.

   

    O militante de redação insiste: "por que se colocar em questões divisivas? Isso faz de você um para-raios para críticas...".

   

    Depois de uma longa pausa, Musk dá exemplo da cena de um filme, em que o personagem fala "ofereça-me dinheiro, ofereça-me poder, eu não me importo".

   

    "Vou dizer o que quero dizer, e se a consequência disso for perder dinheiro, que seja."

   

    Alexander Soljenítsin, o escritor russo que DESTRUIU qualquer resto de superioridade moral que poderia ainda ser alegado no projeto comunista soviético, ao escrever o "Arquipélago Gulag", expondo toda brutalidade do regime, afirmava que a mentira é o grande combustível de qualquer ditadura.

   

    A cientista política Alemã Elisabeth Noelle-Neumann criou a teoria da "espiral do silêncio" para explicar o fenômeno, em que as pessoas deixam contrariar a opinião dominante, com medo de represálias, ou simplesmente em busca de aceitação social.

   

    Recebo com certa frequência a pergunta: "por que você se expõe? Você é um empresário de sucesso, por que se arriscar em se opor ao establishment?"

   

    Eu simplesmente sinto um dever moral de me posicionar. É exatamente o silêncio dos bons que alimenta o mal.

   

    Acredito que a maioria das pessoas não concorda com a agenda extremista de esquerda em curso, mas simplesmente acha mais fácil não contrariar o status quo, favorecendo a sua implementação.

   

    A mensagem de Musk é simples e poderosa: não vale a pena ter dinheiro, e poder, se você não tem liberdade. De outra forma, você se transforma num escravo do sistema, mesmo tendo bilhões de dólares.


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COM UM PRESIDENTE DA ERA ANALÓGICA, É O PODER SEM VOTO QUEM GOVERNA DE FATO O BRASIL - 22.05.23


Por Paulo de Moura, publicado na Gazeta do Povo

 

O mês de maio, quinto do atual mandato de Lula, avança sem que o governo consiga resolver a sua relação com o Congresso, em especial com a Câmara dos Deputados. O noticiário sobre a articulação política do governo revela enorme confusão: conflitos entre Padilha e Rui Costa; ora Lula vai assumir, ora não vai assumir as negociações com o parlamento; reclamações de parlamentares sobre a interlocução com o Planalto e o atendimento de demandas, resistências dos presidentes das duas Casas em retroceder decisões passadas do Legislativo envolvendo a modernização da economia, dentre outros pontos de atrito, expõem a bagunça em que se encontra essa interface estratégica para qualquer governo.

 

Lula sempre foi tratado pela mídia como exímio articulador; um político capaz de seduzir seus mais resistentes interlocutores para conseguir o que quer. O PT já abrigou em seus quadros articuladores como José Dirceu, José Genuíno e Antônio Palocci, que outrora operaram com eficiência a gestão interna e externa dos governos petistas. Nada disso parece funcionar na atual encruzilhada histórica em que o ex-sindicalista e sua criatura estão desafiados a resolver o atual mandato, de olho no futuro e nas perspectivas de poder dessa que é uma das maiores máquinas políticas do Ocidente.

 

A explicação para o “sucesso” de Lula em seus mandatos anteriores tem origem, por um lado, na competência estratégica, por outro, na “competência” operacional de seus líderes.

 

Tendo herdado um governo com superávit fiscal num cenário de boom de commodities (fortuna), mas enfrentando enorme desconfiança do mercado, Lula botou em curso a estratégia leninista de dar um passo atrás, para, depois, dar dois passos à frente (virtu). Com Palocci no Ministério da Fazenda, Lula autorizou a realização de um aumento do superávit primário acima do bancado por seu antecessor, ao mesmo tempo que, sob orientação de José Dirceu, executou uma operação política de cooptação do empresariado via financiamento público subsidiado, de políticas públicas de compadrio com “campeões nacionais” e de compra de apoio no Congresso via mensalão e petrolão.

 

O chamado “presidencialismo de coalizão” consiste num arranjo político em que o Executivo coopta partidos para o condomínio do governo, através do compartilhamento de cargos e verbas. O pressuposto básico da fórmula parte do princípio que, num país de dimensões continentais e regionalmente heterogêneo, nenhum partido possui enraizamento em todo o território e nenhum presidente consegue governar com apoio no Congresso sem atrair para sua base parlamentar uma fatia dos seus oponentes para compor maioria.

 

O modelo tradicional de cooptação de partidos passava pelo loteamento do governo com a base parlamentar. O acesso aos cargos conferia aos partidos acesso direto aos fornecedores de produtos e serviços do Estado e aos mecanismos de liberação de verbas. Os parlamentares eram remunerados paralelamente, pelas empreiteiras e fornecedores do governo, diretamente do caixa das empresas. Ao emendar o orçamento, o parlamentar recebia uma parcela da propina; ao liberar a verba para a obra ou compra, recebia a segunda parcela, razão pela qual o controle de cargos era fundamental aos partidos.

 

Sempre funcionou assim, até que os petistas resolveram inovar, com um sistema em que a compra de apoio passou a ser feita diretamente pelos operadores políticos, com dinheiro em espécie, transportado em malas, nos corredores e até, diz-se, no plenário da Câmara dos Deputados, dando origem ao chamado escândalo do mensalão, que terminou por colocar em dúvida a reputação de suposta honestidade, vendida como virtude exclusiva da velha guarda dirigente do PT.

 

AGENDA REAL X AGENDA IDEAL

O fracasso do modelo não abateu o petismo. Com Lula reeleito, mesmo após o escândalo do mensalão, os petistas parecem ter se sentindo “perdoados pelo tribunal popular do voto” e partiram para a retomada do antigo modelo de cooptação, mas numa escala nunca vista na história política do país: o petrolão.

 

Segundo a fórmula do criador do conceito de “presidencialismo de coalizão”, o presidente eleito tem duas agendas: uma, decorrente de sua ideologia e das diretrizes programáticas do seu partido (agenda “ideal”), que sustenta seu discurso paras as bases partidárias; e outra, resultante das negociações com a heterogênea base política e social de apoio, cooptada para o condomínio governamental (agenda possível). A cooptação, nesse caso, não é apenas de parlamentares, mas também, de lideranças sociais, econômicas e políticas convidadas à participação nos “conselhos políticos governamentais” e irrigadas com benesses financiadas pelo pagador de impostos.

 

O modelo sofreu variações conforme as circunstâncias de cada presidente de plantão no período pós-regime militar. Sarney, Itamar, FHC, Lula I e II e Temer, colocaram a engrenagem a seu serviço. Collor e Dilma ousaram contrariar a fórmula e foram punidos. Já Bolsonaro introduziu novidades não percebidas pelos comentaristas políticos, inaugurando um modelo que talvez ajude a entendermos as dificuldades de Lula com o atual Congresso.

 

No caso dos mandatos petistas anteriores, o arranjo do presidencialismo de coalizão aplicado tinha como objetivo ir calibrando de forma lenta e gradual as políticas públicas dos sucessivos governos, de forma a fazer com que “agenda possível”, tal como a “janela de Overton”, fosse migrando cada vez mais à esquerda, de forma a aproximá-la da “agenda ideal”. Dessa forma, a sequência de três mandatos e meio do PT, começa com Lula mais tucano do que os tucanos e termina com Dilma mais petista que o PT, tanto do ponto de vista da política econômica como da agenda programática, cultural/ideológica.

 

A estratégia petista lembra a história da rã fervida lentamente em água inicialmente morna, e levada ao prato sem perceber que estava sendo fervida para ser digerida. Dilma e o PT, no entanto, parecem ter elevado a fervura a um ponto intolerável para uma sociedade culturalmente conservadora, como é a brasileira, que reagiu à destruição da economia e dos valores da família com o impeachment da ex-guerrilheira.

 

NOVA DIREITA

O resultado da experiência dos brasileiros com os sucessivos governos petistas produziu a mais importante mudança política da história política recente do país. Refiro-me ao surgimento de uma nova direita socialmente expressiva e politicamente emergente e à eleição acidental de Jair Bolsonaro em 2018. Esse ingrediente disruptivo introduziu mudanças inovadoras na cultura política e no modelo institucional da democracia brasileira, com forte impacto sobre a “equação” do presidencialismo de coalizão.

 

Bolsonaro, num primeiro momento, alavancado que estava pela emergência das multidões mobilizadas nas ruas desde 2013, iniciou seu mandato colocando “as massas contra o sistema”. De forma inédita no mundo, o Brasil viu multidões nas ruas botando pressão sobre o Congresso e as corporações do setor público, em apoio a uma profunda reforma da Previdência. Em seguida, esse mesmo parlamento, ainda sob pressão das ruas, aprovou a Lei da Liberdade Econômica na mesma onda.

 

A partir daí, o sistema ameaçado começou a organizar a reação, comandada por uma aliança entre o então presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, em aliança com uma Suprema Corte, 100% integrada por escolhidos do “antigo regime”.

 

O "NOVO" STF

Vendo-se ameaçado de impeachment e percebendo o esgotamento da estratégia de conflito das “ruas contra o sistema”, Bolsonaro parte para a cooptação de uma parcela do centrão para sua base parlamentar, sem, no entanto, renunciar à mobilização nas ruas e nas redes como forma de demonstração de força para preservar seu mandato e fazer avançar sua agenda liberal-conservadora.

 

Ao contrário do PT, que aceita inquilinos no condomínio do governo sem jamais conceder aos parceiros participação no comando político do poder, Bolsonaro tornou os líderes do centrão sócios do poder, com participação nas decisões estratégicas do governo, com controle real sobre o orçamento e nomeações. E, mais importante do que isso, com autonomia e apoio para aprovar o orçamento impositivo e outras medidas de transferência efetiva do poder do Executivo para o Legislativo, mudança que explica, em parte as dificuldades atuais de Lula na sua relação com um Congresso menos dependente das benesse do presidente da República para realizar seus desejos.

 

Paralelamente, processou-se outra mudança estrutural e política fundamental a contribuir para o esvaziamento dos poderes presidenciais, que foi a emergência da Suprema Corte na cena política. Na esteira da reação sistêmica à emergência política da direita conservadora e da eleição de um presidente representante desse segmentos, o STF, então composto por magistrados indicados pelos governos derrotados por Bolsonaro, autoatribui-se poderes que a Constituição não lhe confere, para defender as estruturas de poder ameaçados pela irrupção das massas conservadoras e revolucionárias nas ruas do país, clamando por liberdade e a defesa dos valores morais cristãos e patrióticos, tal como nunca se vira antes na história da nação.

 

O “novo STF”, nesse contexto, julga, governa e legisla em nome da restauração do “antigo regime” ameaçado pela emergência disruptiva das massas na arena pública digital e real. Ao assim agir, a Suprema Corte toma para si, de forma ilegal e ilegítima, poderes que na democracia liberal clássica somente são delegados, pelo povo, aos representantes eleitos pelo sufrágio popular. O poder sem voto governa de fato e, assim prosseguirá se não for contido pelo povo e/ou pelo parlamento, que são a primeira e segunda instâncias da soberania popular nas democracias liberais.

 

PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM XEQUE

O arranjo clássico do chamado “presidencialismo de coalizão”, tal como preconizado pela fórmula de Sérgio Abranches, está em xeque por todas essas mudanças culturais e estruturais antes descritas e por mais uma, não menos importante, e que tem origem numa outra novidade na lógica do jogo a político: em função do impacto das mídias digitais sobre o comportamento dos indivíduos.

 

As tecnologias digitais de comunicação e relacionamento produziram, dentre outros resultados, uma dinâmica de “clusterização” social e formação de bolhas identidárias. Analogamente ao que acontece com a segmentação da produção e do consumo, que substituiu a produção industrial de grandes quantidades de produtos seriados, a fragmentação do tecido social também produziu fragmentação no mundo da política. O marketing digital, por sua vez, possui uma lógica que impulsiona e potencializa o alcance dos conteúdos e da influência sobre o comportamento do consumidor e do cidadão politizado a partir do conflito e da polêmica, ou da “treta”, no jargão da internet.

 

MAS QUE RELAÇÃO ISSO TEM COM O PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO?

Ora, a engrenagem da governabilidade no presidencialismo de coalizão obedece à “lógica do violino” do jargão político, ou seja, governo é algo que “a gente segura com a esquerda, mas toca com a direita”. Essa lógica leva o governante a renunciar à sua “agenda ideal” para implementar a “agenda possível”.

 

Já na engrenagem do “presidencialismo digital”, se o governante não reafirmar constantemente sua “agenda ideal” para mobilizar sua base identidária contra o inimigo ideológico, tenderá a perder sua base social, sem a qual não sustentará seu poder no longo prazo.

 

Logo, a lógica da afirmação identidária e do conflito ideológico com o inimigo, que governa o “presidencialismo digital”, colide estruturalmente com a dinâmica estratégica da governabilidade implícita à fórmula do presidencialismo de coalizão.

 

O tal presidencialismo de coalizão, nesse contexto, parece ter encontrado seus limites diante de mudanças culturais e políticas estruturais às quais nenhuma equação teórica baseada em formalismos sociológicos resiste.

 

LULA E PT, INVENÇÕES ANALÓGICAS

Nesse contexto e ambiente, não devemos ignorar que nem o Brasil, nem Lula e nem o PT são os mesmos do período que antecedeu o impeachment de Dilma Rousseff. Lula e o PT são “invenções” da era analógica, e embora se esforcem para contratar assessorias digitais para fazerem seu marketing, possuem um DNA incompatível com o DNA da nova realidade digital, inserido na qual nasceu a nova direita brasileira, liberal e conservadora por convicção.

 

Lula e o PT envelheceram e não acompanharam as mudanças disruptivas da sociedade contemporânea. Os atuais dirigentes do PT não chegam aos pés, em termos de competência estratégica e operacional, da velha guarda petista em vias de se aposentar, e engalfinham-se para controlar o aparelho partidário com vistas a suceder Lula e José Dirceu.

 

O velho sindicalista vive o ocaso de sua vida, preocupado em apagar sua folha corrida e reescrever o passado, vingar-se do povo e de seus algozes, viajar pelo mundo e curtir sua jovem e nova esposa - feminista, proativa e insubmissa.

 

Assim com o STF, Janja não tem votos mas quer mandar em tudo. A primeira companheira se acha no direito de comandar o marido, o partido e o governo, sem ter recebido delegação popular ou “das bases” para isso.

 

Já o primeiro companheiro, traumatizado pela passagem pela prisão depois de ter experimentado os píncaros da glória internacional e midiática, parece não ter paciência para a operação política do dia a dia e para enfrentar as adversidades de uma realidade que teima em não se encaixar em sua “agenda ideal” e pessoal.


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